quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A Terra de pais para filhos

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A Terra como a recebemos e como tem sido passada de geração em geração...

"Nós não herdamos a terra dos nossos antepassados, pedimos emprestada aos nossos filhos."
Provérbio Índio


Vi no blog da Mimi.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Sebastião Salgado: O drama silencioso da fotografia

"O doutor em economia Sebastião Salgado somente assumiu a fotografia quando tinha uns 30 anos, mas a atividade tornou-se uma obsessão. Seus projetos de anos de duração capturam lindamente o lado humano de uma história global que muitas vezes envolve morte, destruição e ruína. Aqui, ele conta uma história profundamente pessoal da arte que quase o matou, e apresenta imagens espetaculares de seu trabalho mais recente, Genesis, que documenta um mundo de pessoas e lugares esquecidos." 

Fonte: TED

 

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Educação Integral - Carlos Rodrigues Brandão

Diego Riviera: Terra abundante (1926)

1. Descolonizar a educação da pedagogia e, mais ainda, do pedagogismo. Não permitir que a educação seja pensada apenas como algo entre a ciência-e-a-técnica. Relativizar o seu teor dominante de uma tardia e limitante escolha didático-científico - o que se resolve no "prosaico", lembrado por Edgar Morin - em nome de uma vocação equilibradamente dialógico-poética. Ou mesmo "poiética". Poetizar a educação e poietizar a escola.

2. Des-apressar o aprender. Retardar o que-saber em nome do como-viver. Retardar progressões escolares e abrir mais tempo ao poético por oposição ao prosaico (Edgar Morin), ao devaneio por oposição ao conceitual (Gaston Bachelard), ao dialógico (Paulo Freire), por oposição ao monológico (sobretudo o regido por apresentações previsíveis e pré-estabelecidas, via data-show), ao poiético = construir a poesia-de-si-mesmo, por oposição ao pragmático = instruir-se para construir apenas coisas.

3. Recriar o direito ao improviso, ao imprevisível, ao criativo, remando contra o pré-estabelecido, o previsível, o previsível. Conspirar contra a mecanização do ensinar, como a que se estabelece em cima de programas de curso rigidamente pré-montados e empacotados. Retomar as aulas e diálogos em cima de roteiros fluidos a serem construídos no momento da aula ou da fala. Relativizar (muito) o primado crescente das aulas data-show em que um saber criativo e elaborado no momento do ensinar-aprender, com pleno direito ao improviso de parte do professor e de alunos e retomar a aula em que a fala de parte a parte constrói o seu saber ou invés de trazer a sua informação pronta, repetitiva e não aberta à criação do debate e da descoberta do saber no ato do aprender.

4. Abolir ou reduzir o quanto for possível as competições e as concorrências. A escola não é um estádio e nem a educação é uma olimpíada. Reduzir muito ou eliminar competições e “ranquicisações” em nome de uma escola de partilhas e construções coletivas e não comparáveis em termos de escalas e hierarquias. Relativizar a individualização competitiva em favor de uma individuação (Jung) cooperativa. Abolir ou reduzir muito as premiações excludentes (nos pódios sempre só cabem três), os “quadros de honra”, os “primeiros colocados” e o silêncio a respeito de “todos os outros”.

5. Repensar a pedagogia como a arte de criar, gerar, partilhar e fazer circular saberes; de desafiar a aprender e integrar conhecimentos, de oferecer apenas de forma complementar e acessória as informações (subordinadas a conhecimentos e saberes) solidária e coletivamente. Aprender é criar saberes junto, para depois interiorizar a sua parte do saber coletivamente construído.

Retomar a trajetória que vai da informação (o que se adquire e acumula sem reflexão e partilha), o conhecimento (aquilo que interioriza em um diálogo reflexivo e crítico com outros, entre e presenças) e chega ao saber (aquilo que se cria apenas em situações de partilha e que flui entre todos, sem ser uma posse de ninguém).

6. Centrar o processo do ensino-aprendizagem no “acontecer do aprender” em equipes e no entre-nós, a pessoa-com-os-outros e não no indivíduo contra os outros e à margem da equipe, da turma.

7. Re-vivenciar a experiência do aprender como um trabalho também sobre a reminiscência (a anamnese), a lembrança do vivo, a memória do partilhado em interação com o acontecendo aqui-e-agora. Fazer o foco do ensinar-aprender partir não apenas de um concreto-abstrato dominado pelo professor e pela rotina de um “programa. Mas de situações pessoais e interativas vividas e pensadas pelos alunos desde a experiência de momentos-foco de vidas cotidianas. Se isto é feito com terapias que pretendem partir do e atingir o âmago da vida interior de pessoas, porque não fazer o mesmo com a educação. Uma educação que só pode pretender ser integral e transdisciplinar se tomar como ponto de partida o núcleo pessoal dialogável de cada um e de todos os seus participantes.

8. Recolocar o foco da educação - sem temor algum - naquilo que até a algum tempo atrás era chamado de “espiritualidade” (entre Teilhard de Chardin e Foucault), de “vida interior”; de “busca pessoal e interativa do bem, do belo e do verdadeiro (Platão o Gardner). (Quem tiver dúvidas sobre o valor disto, ler com atenção o curso sobre A Hermenêutica do Sujeito, dado por Foucault no Collége de France).

Relativizar muito a tendência crescente a funcionalizar a educação para capacitar o competente-e-produtivo, em nome de re-humanizar a educação para formar o consciente-criativo. Recolocar no foco da educação o diálogo constante da comunidade aprendente com não apenas a “informação útil e disponível (como o “inglês funcional, para aprender a falar com máquinas e com empresários), mas o saber transbordante e difícil (como aprender inglês para ler Shakespeare e Frost). Menos fragmentos de poesia-instrumental para ensinar gramática-funcional e mais gramática-profunda para preparar leitores atentos e maravilhados a Cecília Meireles e João Guimarães Rosa.

9. Realizar de fato – e não apenas nas teorias dos simpósios e congressos sobre transdisciplinaridade – interações "de igual para igual" entre a arte, a filosofia, a espiritualidade e a ciência. Criar currículos em que a música recobre o se lugar na sala de aula e dialogo por igual com a matemática, a dança com a geografia e a poesia com o ensino de “língua pátria”. Se necessário, aprender com Leonardo da Vinci, Gaston Bachelard, Roland Barthes, Antônio Cândido que a arte não é um saber ocioso destinado a horas de recreio, ou para atividades para-escolares, mas é um outro saber, talvez tão ou mais profundo e formador que as ciências... que quanto mais densas e desafiadoras, mais se aproximam do mistério, da filosofia e da arte.

10. Levar esta interação para além do meramente “transdisciplinar”, abrir-se ao todo e ao complexo da “sabedoria do mundo”. Levar a sério a proposta (sempre incipiente, sempre aos pedaços) de uma educação multiculturalista a um ponto limite. A um lugar de efetiva fronteira-de-diálogo entre os saberes-de-ciência (ocidental e acadêmica) e os saberes-outros. Realizar isto a partir do pressuposto de qualquer outro saber vindo de qualquer outra cultura é não tanto uma “forma curiosa e interessante de pensar e viver”, mas é uma outra fonte original, interativa e complexa de “lição das coisas” (Carlos Drummond de Andrade) e de compreensão do humano, da vida e do mundo apenas diferentes e em nada desigualmente “menores” do que o que culturas eruditas do ocidente produziram. Os saberes de Cambridge e Nova York ameaçam mais a nossa felicidade e a nossa sobrevivência do que o dos aymaras e os guarani.

11. A partir do saber de algumas destas tradições “de longe”, aquietar um tanto mais a educação, serenar a didática e pausar a didática. Talvez o agito das salas de aula e a violência da escolas diminua um pouco ou muito mais com a inclusão de momentos de “nada fazer” em favor de estar-na-sua, serenamente meditando ou aprendendo com aulas de Tai-Chi – onde ninguém compete com ninguém, mas cada uma se harmoniza em conjunto com outros – a tranqüilizar de dentro para fora, e do equilíbrio do corpo para o “zen” do espírito, a mente e as “energias”. Será que boa parte do que torna nossas alunas “agressivas” e as nossas escolas “violentas”, não virá de estarmos trazendo para dentro da escola a mesma lógica, a mesma ética (ou pseudo-ética) e a mesma sensibilidade do competitivo-competente de um mundo que há séculos transita entre as forças armadas e o mundo dos negócios?

12. No seu sentido mais radicalmente humano e, por isto mesmo, mais transformador, recolocar a política no centro do que se vive na escola. Primeiro o sentido de política como "cuidado da polis", a cor-responsabilidade pela gestão coletiva e amplamente participativa nos destinos de grupos humanos locais, de comunidades, da cidade, da nação e de todo o mundo.

Em segundo lugar, o sentido de política como partilha do processo de transformar pessoas (conscientizar, em Paulo Freire ) para criar também a partir da escola e desde a infância, seres humanos com um sentimento e um saber de liberdade e de autonomia, logo, de partilha, participação e co-gestão ativa e solidária de processos de transformação de nossos mundos de vida e de destino.

Destinar a educação, uma educação humanista e radicalmente integral a formar sujeitos conscientes-cooperativos para a transformação humanizadora da sociedade e, não, sujeitos competentes-competitivos para a reprodução da lógica e do poder do mercado do capital.

Que ainda e sempre (ou até quando for preciso) seja em nome e a serviço dos “deserdados da Terra e da terra” =, dos pobres e dos excluídos que o nosso labor como educador esteja preferencialmente dirigido.

13. Assim sendo, associar a escola e a educação a práticas do cotidiano que em suas diferentes escalas remam contra os saberes, valores e poderes do capitalismo: a simplicidade voluntária (erigir uma vida solidariamente simples como um valor; considerar pessoas situadas á margem do mercado não como "desempregados", mas como optantes por uma vocação alternativa, etc.); a economia solidária (a partir do cotidiano da escola (onde estão neste momento os que constroem estes prédios, limpam estas salas, servem o café na cantina?); a gestão cooperativa da escola (experiências já em curso desde o passado).

14. Assim, desvestir uma educação integral de máscaras em que ela aparece como algo que apenas de leve humaniza e integra valores e fatores de uma educação dominada pela lógica do mundo dos negócios e destinada a reproduzir e reforçar o poder do capitalismo. Desde as práticas do cotidiano, pensar os termos concretos e a prática de educações libertárias, de uma educação em busca de construção de si mesma como socialista, e de seu lugar na construção de pessoas de vocação solidariamente socialista, para a construção de sociedades crescentemente socialistas.

15. Retomar a educação a uma vocação de fato mais culturalmente “natural”. Em um tempo em que as telas e as conexões eletrônicas parecem deslocar a realidade do mundo da vida do vivencial para o virtual, retomar os caminhos da experiência-da-natureza. Talvez tenha chegado o momento de pensarmos – ente tantas teóricas inovações didáticas – se a escola não deveria voltar-se mais a ser parecida com um “acampamento de escoteiros” do que com um “laboratório de internautas”. Mãos que juntas plantam árvores poderão salvar o planeta mais do que dedos que teclam no computador mensagens ambientalistas em favor da Amazônia.

16. Enfim lembrar com Sartre que "uma coisa é o que fizeram de nós. E outra coisa é o que fazemos do que fizeram de nós..."

Partir da idéia de que na verdade, se quisermos, somos e sermos nós e os nossos educandos-herdeiros aqueles a quem cabe a continuidade e a densidade do trabalho de transformarmos nossas vidas, nossos destinos e os mundos em que partilhamos nossas vidas e destinos.

17. Lembrar, enfim, que somente haverá UM OUTRO MUNDO POSSÍVEL quando existir UM OUTRO SER HUMANO POSSÍVEL. E este somente existirá quando soubermos criar UMA OUTRA EDUCAÇÃO POSSÍVEL.

E este POSSÍVEL depende de nós mesmos e de nós mesmas, muito mais do que nós próprios/as imaginamos.

Carlos Rodrigues Brandão
Buritizeiro – beiras do Rio de São Francisco
(em um dezembro de grandes chuvas em 2011)
Revisto durante o FORUM SOCIAL TEMÁTICO em Porto Alegre ,
em janeiro de 2012, entre calor e chuva.

Post original no blog da Mimi.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Por que o sapo não lava o pé?

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Depois de mais de dois anos sem postar, vi isto no blog (Socio)lizando e gostei tanto que animei em replicar aqui. Espero que esta inspiração dure muito tempo. Vamos lá:

Porque o sapo não lava o pé?

Explicações de vários estudiosos…

Olavo de Carvalho: O sapo não lava o pé. Não lava porque não quer. Ele mora lá na lagoa, não lava o pé porque não quer e ainda culpa o sistema, quando a culpa é da PREGUIÇA. Este tipo de atitude é que infesta o Brasil e o Mundo, um tipo de atitude oriundo de uma complexa conspiração moscovita contra a livre-iniciativa e os valores humanos da educação e da higiene!

Karl Marx: A lavagem do pé, enquanto atividade vital do anfíbio, encontra-se profundamente alterada no panorama capitalista. O sapo, obviamente um proletário, tendo que vender sua força de trabalho para um sistema de produção baseado na detenção da propriedade privada pelas classes dominantes, gasta em atividade produtiva alienada o tempo que deveria ter para si próprio. Em conseqüência, a miséria domina os campos, e o sapo não tem acesso à própria lagoa, que em tempos imemoriais fazia parte do sistema comum de produção.

Friedrich Engels: isso mesmo.

Michael Foucault: Em primeiro lugar, creio que deveríamos começar a análise do poder a partir de suas extremidades menos visíveis, a partir dos discursos médicos de saúde, por exemplo. Por que deveria o sapo lavar o pé? Se analisarmos os hábitos higiênicos e sanitários da Europa no século XII, veremos que os sapos possuíam uma menor preocupação em relação à higiene do pé – bem como de outras áreas do corpo. Somente com a preocupação burguesa em relação às disciplinas – domesticação do corpo do indivíduo, sem a qual o sistema capitalista jamais seria possível – é que surge a preocupação com a lavagem do pé. Portanto, temos o discurso da lavagem do pé como sinal sintomático da sociedade disciplinar.

Max Weber: A conduta do sapo só poderá ser compreendida em termos de ação social racional orientada por valores. A crescente racionalização e o desencantamento do mundo provocaram, no pensamento ocidental, uma preocupação excessiva na orientação racional com relação a fins. Eis que, portanto, parece absurdo à maior parte das pessoas o sapo não lavar o pé. Entretanto, é fundamental que seja compreendido que, se o sapo não lava o pé, é porque tal atitude encontra-se perfeitamente coerente com seu sistema valorativo – a vida na lagoa.

Friedrich Nietzsche: Um espírito astucioso e camuflado, um gosto anfíbio pela dissimulação – herança de povos mediterrâneos, certamente – uma incisividade de espírito ainda não encontrada nas mais ermas redondezas de quaisquer lagoas do mundo dito civilizado. Um animal que, livrando-se de qualquer metafísica, e que, aprimorando seu instinto de realidade, com a dolcezza audaciosa já perdida pelo europeu moderno, nega o ato supremo, o ato cuja negação configura a mais nítida – e difícil – fronteira entre o Sapo e aquele que está por vir, o Além- do-Sapo: a lavagem do pé.

John Locke: Em primeiro lugar, faz-se mister refutar a tese de Filmer sobre a lavagem bíblica dos pés. Se fosse assim, eu próprio seria obrigado a lavar meus pés na lagoa, o que, sustento, não é o caso. Cada súdito contrata com o Soberano para proteger sua propriedade, e entendo contido nesse ideal o conceito de liberdade. Se o sapo não quer lavar o pé, o Soberano não pode obrigá-lo, tampouco recriminá-lo pelo chulé. E ainda afirmo: caso o Soberano queira, incorrendo em erro, obrigá-lo, o sapo possuirá legítimo direito de resistência contra esta reconhecida injustiça e opressão.

Immanuel Kant: O sapo age moralmente, pois, ao deixar de lavar seu pé, nada faz além de agir segundo sua lei moral universal apriorística, que prescreve atitudes consoantes com o que o sujeito cognoscente possa querer que se torne uma ação universal.

Nota de Freud: Kant jamais lavou seus pés.

Sigmund Freud: Um superego exacerbado pode ser a causa da falta de higiene do sapo. Quando analisava o caso de Dora, há vinte anos, pude perceber alguns dos traços deste problema. De fato, em meus numerosos estudos posteriores, pude constatar que a aversão pela limpeza, do mesmo modo que a obsessão por ela, podem constituir-se num desejo de autopunição. A causa disso encontra-se, sem dúvida, na construção do superego a partir das figuras perdidas dos pais, que antes representavam a fonte de todo conteúdo moral do girino.

Carl Jung: O mito do sapo do deserto, presente no imaginário semita, vem a calhar para a compreensão do fenômeno. O inconsciente coletivo do sapo, em outras épocas desenvolvido, guardou em sua composição mais íntima a idéia da seca, da privação, da necessidade. Por isso, mesmo quando colocado frente a uma lagoa, em época de abundância, o sapo não lava o pé.

Soren Kierkegaard: O sapo lavando o pé ou não, o que importa é a existência.

George Hegel: Podemos observar na lavagem do pé a manifestação da Dialética. Observando a História, constatamos uma evolução gradativa da ignorância absoluta do sapo – em relação à higiene – para uma preocupação maior em relação a esta. Ao longo da evolução do Espírito da História, vemos os sapos se aproximando cada vez mais das lagoas, cada vez mais comprando esponjas e sabões. O que falta agora é, tão somente, lavar o pé, coisa que, quando concluída, representará o fim da História e o ápice do progresso.

Auguste Comte: O sapo deve lavar o pé, posto que a higiene é imprescindível. A lavagem do pé deve ser submetida a procedimentos científicos universal e atemporalmente válidos. Só assim poder-se-á obter um conhecimento verdadeiro a respeito.

Arthur Schopenhauer: O sapo cujo pé vejo lavar é nada mais que uma representação, um fenômeno, oriundo da ilusão fundamental que é o meu princípio de razão, parte componente do princípio individuationis, a que a sabedoria vedanta chamou “véu de Maya”. A Vontade, que o velho e grande filósofo de Königsberg chamou de Coisa-em si, e que Platão localizava no mundo das idéias, essa força cega que está por trás de qualquer fenômeno, jamais poderá ser capturada por nós, seres individuados, através do princípio da razão, conforme já demonstrado por mim em uma série de trabalhos, entre os quais o que considero o maior livro de filosofia já escrito no passado, no presente e no futuro: “O mundo como vontade e representação”.

Aristóteles: O [sapo] lava de acordo com sua natureza! Se imitasse, estaria fazendo arte. Como [a arte] é digna somente do homem, é forçoso reconhecer que o sapo lava segundo sua natureza de sapo, passando da potência ao ato. O sapo que não lava o pé é o ser que não consegue realizar [essa] transição da potência ao ato.

Platão:

Górgias: Por Zeus, Sócrates, os sapos não lavam os seus pés porque não gostam da água!

Sócrates: Pensemos um pouco, ó Górgias. Tu assumiste, quando há pouco dialogava com Filebo, que o sapo é um ser vivo, correto?

Górgias: Sou forçado a admitir que sim.

Sócrates: Pois bem, e se o sapo é um ser vivo, deve forçosamente fazer parte de uma categoria determinada de seres vivos, posto que estes dividem-se em categorias segundo seu modo de vida e sua forma corporal; os cavalos são diferentes das hidras e estas dos falcões, e assim por diante, correto?

Górgias: Sim, tu estás novamente correto.

Sócrates: A característica dos sapos é a de ser habitante da água e da terra, pois é isso que os antigos queriam dizer quando afirmaram que este animal era anfíbio, como, aliás, Homero e Hesíodo já nos atestam. Tu pensas que seria possível um sapo viver somente no deserto, tendo ele necessidade de duas vidas por natureza,ó Górgias?

Górgias: Jamais ouvi qualquer notícia a respeito.

Sócrates: Pois isto se dá porque os sapos vivem nas lagoas, nos lagos e nas poças, vistos que são animais, pertencem e uma categoria, e esta categoria é dada segundo a característica dos sapos serem anfíbios.

Górgias: É verdade.

Sócrates: Precisando da lagoa, ó Górgias meu caro, tu achas que seria o sapo insano o suficiente para não gostar de água?

Górgias: Não, não, não, mil vezes não, Ó Sócrates!

Sócrates: Então somos forçados a concluir que o sapo não lava o pé por outro motivo, que não a repulsa à água.
Górgias: De acordo.

Diógenes, o Cínico: Dane-se o sapo, eu só quero tomar meu sol.

Parmênides de Eléia: Como poderia o sapo lavar os pés, ó deuses, se o movimento não existe?

Heráclito de Éfeso: Quando o sapo lava o pé, nem ele nem o pé são mais os mesmos, pois ambos se modificam na lavagem, devido à impermanência das coisas.

Epicuro: O sapo deve alcançar o prazer, que é o Bem supremo, mas sem excessos. Que lave ou não o pé, decida-se de acordo com a circunstância. O vital é que mantenha a serenidade de espírito e fuja da dor.

Estóicos: O sapo deve lavar seu pé de acordo com as estações do ano. No inverno, mantenha-o sujo, que é de acordo com a natureza. No verão, lave-o delicadamente à beira das fontes, mas sem exageros. E que pare de comer tantas moscas, a comida só serve para o sustento do corpo.

Descartes: Nada distingo na lavagem do pé senão figura, movimento e extensão. O sapo é nada mais que um autômato, um mecanismo. Deve lavar seus pés para promover a autoconservação, como um relógio precisa de corda.

Nicolau Maquiavel: A lavagem do pé deve ser exigida sem rigor excessivo, o que poderia causar ódio ao Príncipe, mas com força tal que traga a este o respeito e o temor dos súditos. Luís da França, ao imperar na Itália, atraído pela ambição dos venezianos, mal agiu ao exigir que os sapos da Lombardia tivessem os pés cortados e os lagos tomados caso não aquiescessem à sua vontade. Como se vê, pagou integralmente o preço de tal crueldade, pois os sapos esquecem mais facilmente um pai assassinado que um pé cortado e uma lagoa confiscada.

Jacques Rousseau: Os sapos nascem livres, mas em toda parte coaxam agrilhoados; são presos, é certo, pela própria ganância dos seus semelhantes, que impedem uns aos outros de lavarem os pés à beira da lagoa. Somente com a alienação de cada qual de seu ramo ou touceira de capim, e mesmo de sua própria pessoa, poder-se-á firmar um contrato justo, no qual a liberdade do estado de natureza é substituída pela liberdade civil.

Max Horkheimer e Theoror Adorno: A cultura popular diferencia-se da cultura de massas, filha bastarda da indústria cultural. Para a primeira, a lavagem do pé é algo ritual e sazonal, inerente ao grupamento societário; para a segunda, a ação impetuosa da razão instrumental, em sua irracionalidade galopante, transforma em mercadoria e modismo a lavagem do pé, exterminando antigas tradições e obrigando os sapos a um procedimento diário de higienização.

Antonio Gramsci: O sapo, e além dele, todos os sapos, só poderão lavar seus pés a partir do momento em que, devido à ação dos intelectuais orgânicos, uma consciência coletiva principiar a se desenvolver gradativamente na classe batráquia. Consciência de sua importância e função social no modo de produção da vida. Com a guerra de posições – representada pela progressiva formação, através do aparato ideológico da sociedade civil, de consensos favoráveis – serão criadas possibilidades para uma nova hegemonia, dessa vez sob a direção das classes anteriormente subordinadas.

Norberto Bobbio: Existem três tipos de teoria sobre o sapo não lavar o pé. O primeiro tipo aceita a não-lavagem do pé como natural, nada existindo a reprovar nesse ato. O segundo tipo acredita que ela seja moral ou axiologicamente errada. A terceira espécie limita-se a descrever o fenômeno, procurando uma certa neutralidade.

Liberal de Orkut (esse indivíduo cada vez mais anônimo): O sapo não lava o pé por ser um indivíduo liberto da opressão estatal. Mas qualquer coisa é só arrumar um emprego público e utilizar o lavado do Leviatã!

(autor desconhecido)

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