domingo, 16 de agosto de 2009

Os Jogos Cooperativos e a Construção de Valores Positivos para nossa Sociedade

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Navegando numa pesquisa pela internet encontrei este texto que associa Jogos Cooperativos com Fractais, dois elementos fantásticos na compreensão e determinação de valores sociais.

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Um dia destes quando levava minha filha para a escola vi um outdoor de uma grande rede de ensino, onde estava escrito:

- O que você prefere ser ?

Servo ou Senhor Feudal !

Parei por alguns instantes e reli a frase, buscando compreender seu real significado e intenção daquela mensagem. De fato, a metáfora utilizada me causou um profundo incômodo. Não queria crer que um colégio de renome, estivesse passando conscientemente os valores transmitidos no outdoor à seus alunos. Será que na sociedade em que vivemos, só restam estas duas opções – ser explorado ou explorador?

Para que possamos entender melhor o Jogo da vida, vale a pena refletirmos sobre duas crenças que a sociedade criou e sobre as quais alicerça seus modelos econômicos e sociais; crenças da Abundância e da Escassez.

A Crença da Abundância.

Quando uma sociedade é regida pela crença da abundância, onde acredita que existe o bastante para atender as necessidades de todos, seus membros não precisam competir para obter seu sustento, ou para melhorar as condições gerais de sua sociedade. Dentro desta crença, o potencial de recursos não é limitado e desta forma tanto a sobrevivência quanto o conforto de seus membros está garantida. Entretanto a otimização da exploração uso e distribuição dos recursos, requer um Jogo Cooperativo entre seus membros, o que Terry Orlick define como Cooperação não Competitiva, onde o alcance do objetivo necessita de trabalho conjunto e partilha, e a cooperação é um meio para se alcançar um objetivo mutuamente desejado e que é também compartilhado. É importante realçar que a crença da Abundância não considera que determinados recursos nunca serão extintos, mas que existem outras possibilidades à serem exploradas, fruto da inteligência e natureza criativa humana. Dentro desta crença, não existe o menor sentido em segmentar a sociedade em explorados e exploradores, pois o ganho de um independe do fracasso ou submissão de outro. Nem tampouco estamos falando sobre sociedades uniformes, padronizadas, onde todos possuam absolutamente as mesmas coisas. Podemos conquistar um maior número de bens, conforto ou padrão de vida, proporcional ao nosso trabalho, empenho e ambição, desde que isto não implique na perda proporcional por outras pessoas, seja no montante dos recursos, seja na exploração destas pessoas para nosso benefício próprio.

A Crença da Abundância somente é suportada por um modelo cooperativo, onde a soma das competências e habilidades dos membros de sua sociedade, encontrará respostas para o desafio da continuidade da abundância.

A Crença da Escassez.

Outra forma de ver o mundo é sob a ótica da escassez, onde os recursos são limitados, e nem todos podem ser atendidos, tendo-se que estabelecer parâmetros de segmentação da sociedade para a distribuição dos recursos. Dentro desta crença, torna-se válida a lei do mais forte. A natureza possui um modelo de depuração da fauna e da flora, através da sobrevivência dos mais adaptados ao meio ambiente e eliminação dos mais vulneráveis. Estas características genéticas dos membros mais adaptados são transmitidas às novas gerações, melhorando por assim dizer a "performance" daquela espécie no planeta, como seu desempenho e longevidade. O homem lança mão deste modelo para explicar e justificar sua crença de que os mais adaptados devem sobreviver em detrimento dos menos adaptados. Quando falamos sobre adaptabilidade humana, estamos quase que exclusivamente nos valendo de parâmetros econômicos, julgando bem adaptados aqueles que acumularam riquezas e não adaptados os que não.

O sucesso econômico de uma pessoa e portanto sua adaptabilidade ao planeta, dependem também das condições de acesso a fatores que propiciem sua inclusão no cenário econômico como por exemplo educação de qualidade. Voltamos ao Outdoor que traça com nitidez esta linha lógica dentro da Crença da Escassez, entre acesso a educação diferenciada e inclusão no mercado de trabalho.

Mas afinal, nosso mundo é de escassez ou de abundância?

Tudo depende para onde olhamos

Imagine a seguinte situação:

"- Um casal está em seu quarto e ambos desejam tomar leite, e só trouxeram um copo de leite para o quarto."

Sendo a quantidade de leite disponível limitada a um copo, o casal pode partilhar de seu conteúdo, onde cada um beberá a metade. Considerando que no quarto ao invés de um casal em harmonia existam dois adolescentes no auge de suas crises hormonais, a disputa pelo único copo de leite poderá ter sérias conseqüências. Se nos restringirmos ao quarto, há escassez de leite e o comportamento das pessoas será orientado por suas crenças e modelos.

Se ampliarmos nossa visão para a casa como um todo, veremos a cozinha onde existe uma quantidade de leite na geladeira e outra armazenada na despensa. Agora não existe mais a escassez, e passamos a um modelo de abundância.

Ampliando ainda mais nossa visão, como em uma vista aérea, veremos a padaria, a venda, o supermercado, locais onde existe muito leite. Já com uma vista de satélite, veremos fazendas de criação de gado, onde produz-se leite, empresas beneficiadoras de leite, etc. Enfim, quanto mais ampla é nossa visão, mais abundância enxergamos e quanto mais restrito é nosso foco, menores são as possibilidades. Portanto sob esta ótica, meu comportamento cooperativo ou competitivo será comandado pela minha crença na escassez ou na abundância, que por sua vez está ligada a minha forma de ver e me relacionar com o mundo, de uma maneira restrita e limitada, ou de forma ampla e irrestrita.

Neste momento queremos conectar principalmente a disseminação destes modelos através dos Jogos, pois quando estamos em um jogo com um determinado número de pessoas, formamos como diz Orlick, uma minissociedade com suas regras, estilos de relações, recompensas e punições. Antes porém, para relacionarmos estas minissociedades com nossa grande sociedade, vamos nos utilizar da teoria dos Fractais.

Modelos dos Fractais.

Você já pensou no que há em comum entre as ramificações dos brônquios, o traçado dos rios que formam uma bacia hidrográfica, a forma de uma cadeia de montanhas e a penetração de óleo em rochas porosas? Aparentemente nada. Todos esses casos, porém apresentam formas geométricas caracterizadas por modelos básicos que são repetidos mesmo em escalas muito pequenas. É o universo dos fractais e dos atratores, uma nova e rica área interdisciplinar que proporciona uma maneira diferente de enxergar a natureza.

Não há ainda uma definição fechada do que são fractais. De maneira bem geral, uma fractal é uma forma feita de partes similares de algum jeito com o todo. Essa definição genérica foi sugerida pelo matemático polonês Benoit Mandelbrot, considerado o pai das fractais, que utilizou o termo "fractal" pela primeira vez em 1967. Originário do adjetivo latino fractus e do verbo frangere (irregular, quebrar, fraturar), o vocábulo se popularizou depois que o polonês publicou, em 1982, o livro The Fractals Geometry of Nature. A palavra passou então a caracterizar as formas irregulares e as novas geometrias por ele descobertas, seja na geologia, na turbulência de fluídos ou no mercado financeiro.

Fenômenos como a variação do tempo, a formação dos flocos de neve, ou a dinâmica das populações, pareciam totalmente aleatórios. Entretanto, ao estudar os fractais, cientistas e matemáticos notaram que alguns deles imitavam tais fenômenos. Com isso, ao invés de randômicos, estes sistemas passaram a ser considerados caóticos, ou seja, embora sujeitos a uma forma e ordem próprias, eles podem ser equacionados. Uma característica de um sistema caótico é que ele sempre mostra "sensibilidade às condições iniciais", isto é, qualquer perturbação no estado inicial do sistema, não importando quão pequena seja, levará rapidamente a uma grande diferença no estado final, fazendo com que a previsão do futuro torne-se muito difícil. Porém, compreendendo o comportamento caótico, muitas vezes é possível entender como o sistema se comportará como um todo ao longo do tempo.

Fractais e nossa Sociedade.

Da mesma forma, nossos jogos em pequenos grupos repetem e perpetuam modelos globais da sociedade, principalmente

referentes a suas crenças e valores. Os jogos infantis são excelentes instrumentos de transmissão da cultura de uma sociedade.

Orlick (1989) diz que: "- ...quando participamos de determinado jogo, fazemos parte de uma minissociedade, que pode nos formar em direções variadas. Uma vez formados pelas regras, pelas reações dos outros, pelas recompensas e punições, tornamo-nos parte do jogo e começamos a formar outros. Dessa forma o jogo ganha vida e poder, independente dos jogadores.

Em vez de criar minissociedades ou jogos, que refletem de forma pura a competitividade, a desonestidade e a cobiça da sociedade maior, por que não desenvolver jogos que criem uma miniatura de utopias em que gostaríamos de viver? Por que não criar e participar de jogos que nos tornem mais cooperativos, honestos e atenciosos para com os outros? Por que não usar o poder transformador dos jogos para ajudar a nos tornarmos o tipo de pessoa que realmente gostaríamos de ser?".

Nos acostumamos com determinadas expressões como "visão holística" e "visão global, ação local", sem entretanto exercitarmos seu ensinamento, que vale lembrar o ditado Zen: "- Saber e não fazer, é ainda não saber".

A visão holística ou do todo, é o que exatamente nos permite visualizar um mundo de recursos e possibilidades praticamente inesgotáveis. Precisamos privilegiar modelos pedagógicos que incentivem as pessoas a olhar além, a buscar outras possibilidades que obrigatoriamente passarão pelo desafio da convivência, da conquista da confiança e da celebração conjunta da vitória. Como fantástico instrumento do exercício de valores positivos para uma nova sociedade, estão os Jogos Cooperativos, que através da criação de "minissociedades" através do exercício do jogo, podem exercitar modelos de relacionamentos, produção e distribuição de bens que gostaríamos de viver em nosso mundo real e elaborar estratégias para ampliar o horizonte do nosso jogo, do quarto para a casa, da casa para o quarteirão, do quarteirão para o bairro, a cidade, o estado, o país, o planeta....

As im-possibilidades são infinitas; tudo depende de nós.


por Mônica Teixeira e Luciano Lannes
extraído da seção "Entendendo os Jogos" da edição 2 do ano II da Revista Jogos Cooperativos.

http://www.jogoscooperativos.com.br/entendendo_os_jogos.htm#Valores


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