quinta-feira, 13 de março de 2008

A lógica do maior, não a do melhor.

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Qual a estação mais propícia à poesia? Para o poeta, para o verdadeiro poeta, não há outra estação senão a da poesia. E dentro da poesia a primavera, o verão, o outono, o inverno. A poesia vive muito para lá da palavra, independente das costuras da linguagem.
-- Martin Heidegger --



Quem venha acompanhando o noticiário sobre vários setores de serviços à população no País provavelmente estará surpreso com certas decisões que vêm sendo - ou deixam de ser - tomadas e que apontam para o que poderia ser chamado de "opção pelo maior", ou pelo mais caro, em detrimento do mais eficiente, mais barato.


Pode-se começar pela questão do abastecimento de água nas capitais, que mereceu farto noticiário, diante da constatação de que se desperdiçam, em média, 45% da água que sai das estações de tratamento. São Paulo perde 30,8%, Porto Velho, a campeã do desperdício, 78,8%, Brasília, a que menos perde, 27,3% - quando o Japão, por exemplo, perde 4,7%.

A principal causa está nos vazamentos e furos nas redes de distribuição, por falta de monitoramento, assistência e reposição. E quem for verificar mais de perto constatará que isso não é feito porque se dá preferência a novas barragens, novas adutoras, novas estações de tratamento - mesmo sabendo que custa até cinco vezes menos conservar um litro de água (mantendo a rede em boas condições) do que gerar um litro "novo".

Mas não há financiamentos para a manutenção, só para obras novas - de custo muito mais alto (e maior retorno para os financiadores), porém mais visíveis que as do subsolo (de menor rendimento eleitoral). E com isso se perdem, só nas capitais, 6,14 milhões de litros por dia, suficientes para atender ao consumo diário de algumas dezenas milhões de pessoas.

O panorama não é diferente na área de esgotos: mais de 50% da população nem sequer dispõe de redes coletoras e entre 1992 e 2005 o déficit só caiu 0,4% ao ano. Com isso, segundo a Funasa, morrem por dia sete crianças vítimas de doenças veiculadas pela água de má qualidade, que causam também 70% das internações na área pediátrica. Mas só se prevê reduzir o déficit à metade em 2020 e desde que aplicados R$ 10 bilhões por ano.

E poderia ser diferente. Neste espaço mesmo já se comentou (31/8) que a instalação de redes de esgoto pelo sistema condominial pode proporcionar uma economia média de 35% nos investimentos, que pode chegar até a 50%, dependendo do lugar e das condições. Mas, com exceção do Distrito Federal, esse sistema não é o usual na maioria dos lugares. Por quê? Uma das razões é que se trata de obras de menor porte, menor visibilidade, menor custo, menor interesse das grandes construtoras.

Ainda na área do abastecimento, vale a pena mencionar a questão das cisternas de placa para reter e aproveitar água de chuva no Semi-Árido brasileiro. Todo mundo já sabe que elas são uma solução muito mais barata e viável (podem ser construídas em comunidades isoladas, onde vivem milhões de pessoas, inacessíveis pelos ramais de transposição de águas). Mas até aqui só puderam ser implantadas 216 mil, beneficiando 1 milhão de pessoas, quando é necessário 1 milhão de cisternas. E agora o governo federal, o maior financiador (85%), anuncia que vai "diversificar" os caminhos da implantação, até aqui entregue a um consórcio de ONGs, a Articulação do Semi-Árido. Não por acaso, passará a colocar parte dos recursos nas prefeituras - em ano de eleição.

Nessa área, a Justiça acaba de obrigar o Ministério da Integração Nacional (Veja, 21/11) a abrir todas as propostas para obras da transposição do Rio São Francisco, porque inabilitara duas sem abrir. Ao serem abertas, verificou-se que uma das inabilitadas era R$ 36 milhões mais barata que a proposta considerada vencedora, de R$ 275 milhões.

E para onde irá a água? Cerca de 70%, para irrigação de grandes projetos, inclusive em perímetros irrigados (R$ 491 milhões até 2010) - quando o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca admite que 50% dos perímetros irrigados por ele mesmo estão "sem produção alguma" (Folha de S.Paulo, 18/11). Também os projetos da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) prevêem investimentos de R$ 740 milhões em projetos de irrigação até 2010.

Quando se passa à área da energia, mais alguns sustos e surpresas. Continua-se sem discutir o estudo da Unicamp que mostra ser possível economizar até 50% da energia consumida no País, tema tantas vezes comentado neste espaço. Mas se decide instalar, a um custo muitas vezes maior, unidades de geração caras, poluidoras e perigosas, quando também o relatório das Academias de Ciências, aqui citado pelo professor José Goldemberg (12/11), afirma que o formato mais barato para o Brasil é o da eficiência energética.

Mas vamos implantar Angra-3, contestada na Justiça pelo Greenpeace, com base em parecer do jurista José Afonso da Silva, que mostra ser inconstitucional a sua aprovação, por se basear em decreto do governo Geisel já revogado e por lhe faltar a indispensável autorização do Congresso Nacional - além de ser sua produção mais cara; sua operação, insegura; e não haver destinação para o lixo nuclear.

Também o Plano Decenal de Expansão do setor elétrico prevê o aumento da geração em termoelétricas, de 15 mil para 28 mil MW. Dos 13 mil MW novos, apenas 3 mil virão de biomassas; as usinas restantes serão movidas pela queima de combustíveis fósseis, aumentando as emissões de poluentes de 19 milhões de toneladas para 44 milhões em dez anos. Entre elas está uma nova termoelétrica a carvão mineral (o formato mais poluente entre todos) em Treviso (SC), nas encostas de Aparados da Serra (fala-se até em mais duas usinas). Isso apesar da experiência em outros pontos do Estado, com forte poluição gerada na queima do carvão e pela chuva ácida.

E assim vamos também no Rio Madeira, (R$ 20 bilhões), no Rio Xingu, no Rio Tocantins, seguindo pela lógica do maior, não do melhor. Pois não continuamos em toda a parte a pagar por tonelada o lixo recolhido - o que leva as empresas a terem interesse em que o lixo aumente, e não que diminua?

Washington Novaes
O Estado de S.Paulo, 30-11-2007

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