domingo, 16 de março de 2008

O uso racional da água

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O que é a água?

A água é um composto formado por dois átomos de hidrogênio (H) e um de oxigênio (O), resultando daí a sua representação química: H2O. Pode ser encontrada na natureza em três estados físicos: líquido, que é o caso das chuvas, rios, lagos e oceanos; gasoso, nas nuvens e vapores; e sólido, quando congelada nas geleiras e blocos de gelo.

A água é, ao lado do ar, um elemento essencial para a existência de vida no planeta, desempenhando um papel fundamental nas funções biológicas de animais e plantas. A sobrevivência do homem, como a de todos os seres vivos, depende da água, que corresponde a cerca de 75% do seu peso corporal.

E não é somente porque mata a sua sede, mas porque a água está presente em todas as atividades humanas, desde a higienização pessoal, até a produção de alimentos, construção de suas casas, fabricação dos mais diversos produtos e como meio de recreação, transporte e afastamento de dejetos.

Toda a história da humanidade está vinculada à água. As grandes civilizações se formaram junto a grandes rios, como o Tigre e o Eufrates, na Mesopotâmia, o Nilo, no antigo Egito, o Indo, onde hoje se localiza a Índia e o Paquistão, e o Huang He, ou o Rio Amarelo, na China. Esses cursos d’água, ao se extravazarem nas cheias, fertilizavam as várzeas e garantiam safras generosas de alimentos, ofereciam pesca abundante e constituíam o caminho natural e estratégico em seus deslocamentos.

As grandes cidades do mundo têm suas histórias ligadas a um rio. É o caso de Roma, erguida às margens do Tibre; Paris, cuja paisagem tem sempre o Sena ao fundo; e Londres, que tem o Tâmisa, em cujas margens foram construídos o Palácio de Westminster e a Torre de Londres, que são duas das principais referências da cidade.

São Paulo, a quarta maior metrópole do mundo, e o Rio Tietê, igualmente, não permitem que se conte a história de uma sem falar do outro. O Tietê, um rio exclusivamente paulista, foi o caminho por onde se deslocaram os primeiros bandeirantes que demandavam o interior do país. O rio foi o grande manancial de abastecimento até a metade do século XX, espaço de lazer e recreação e, triste papel de todos os rios, o meio para o afastamento do esgoto da cidade.

Por causa da sua aparente abundância, em suas diversas formas, a humanidade nunca deu a devida importância à água, utilizando-a de forma indiscriminada no abastecimento humano, produção industrial e agropecuária e como meio de dissolução de dejetos.

Por isso, a escassez de água em algumas regiões do mundo já é realidade. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO, a escassez de água já afeta 1,2 bilhão de pessoas em todo o mundo, enquanto outros 500 milhões já começam a sentir essa ameaça. Providências urgentes precisam ser tomadas para reverter a situação, mesmo no Brasil, onde, apesar da abundância, a água é distribuída de forma irregular pelo país. O Estado de São Paulo já se ressente dessa carência, especialmente na Região Metropolitana de São Paulo, que abriga o maior parque industrial da América Latina.

O acesso à água potável é condição básica da democracia, pois trata-se de um bem fundamental à vida. É por esse motivo que a Organização das Nações Unidas, durante a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida como a Rio 92, elegeu a data de 22 de março para celebrar o Dia Mundial da Água.

A preocupação da ONU é de conscientizar todos os povos do mundo a preservar os mananciais e utilizar a água de forma racional, sem desperdícios, para tornar mais justa a sua distribuição. Em outras palavras, a água na medida certa.

A água no mundo

A água cobre cerca de 75% do planeta, o que fez o russo Yuri Gagarin, primeiro cosmonauta a realizar um vôo orbital em torno do planeta, no dia 12 de abril de 1961, exclamar: “A Terra é azul”. Mas essa aparente abundância deve ser vista com cautela. Segundo estudos de Robert G. Wetzel, da Universidade da Carolina do Norte, Estados Unidos, em 1983, o volume de água existente no mundo é da ordem de 1,380 bilhão de km3. Mas é preciso considerar que cerca de 97,5% de toda essa água é salgada, restando apenas 2,5% de água doce, ou 35 milhões de km3. Deste total, aproximadamente 77,2% encontra-se retida nas calotas polares e em geleiras, 22,4% no subsolo, 0,35% nos lagos e pântanos, 0,04% na forma de vapores na atmosfera e apenas 0,01% nos rios, ou algo em torno de 126.200 km3, disponível para o consumo humano imediato.

Distribuição de água na biosfera e tempo de renovação

O volume de água no planeta é constante, mas a sua distribuição entre as várias formas de ocorrência pode ter se alterado em decorrência do aquecimento global, sendo provável a redução das extensões de geleiras e o aumento dos oceanos.

Outra questão a ser considerada é a distribuição geográfica dos recursos hídricos, extremamente irregular, gerando distorções culturais e econômicas significativas. Cerca de 26 países dispõem de menos de mil m3 de água por ano por habitante, índice considerado alarmante pela ONU.

Veja a distribuição desses países por continente:
- África ............................... 11 países
- Oriente Médio ..................... 9 países
- Europa .............................. 4 países
- Antilhas ............................. 1 país
- Extremo Oriente .................. 1 país

Outra questão que afeta a disponibilidade de água para abastecimento humano é a poluição. Alguns países, localizados na porção final dos cursos d’água, têm fartura de água mas com a qualidade comprometida pelos despejos urbanos e industriais ocorridos ao longo do seu percurso.

Países de grandes dimensões territoriais, especialmente os localizados em regiões tropicais, com intensas precipitações atmosféricas, são os que apresentam maior disponibilidade de água. É o caso do Brasil, Canadá, China, Estados Unidos, Índia e outros, cujos territórios são entrecortados por extensas bacias hidrográficas. Em contraposição, temos países como o Egito, Líbia e Argélia, na África, e Arábia Saudita, Síria e Jordânia, no Oriente Médio, onde a carência de água constitui motivo de tensão, afetando a estabilidade política e social na região.

Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, o acesso à água potável e ao saneamento básico deve ser considerado um direito básico do homem. Mas a realidade não nos permite sermos otimistas. Dados da própria entidade apontam que, em 2015, cerca de três bilhões de pessoas, ou 40% da população mundial nessa data, deverão enfrentar dificuldades para suprir as suas necessidades, morando em países sem água suficiente para atender à demanda na agricultura e na indústria.

Se o conteúdo de um recipiente de um litro correspondesse a toda água existente no mundo, a parcela de água doce equivaleria a um copinho de café e o volume disponível para consumo imediato do homem não seria mais umas poucas gotinhas.

A água no Brasil

País tropical, com grande extensão territorial, o Brasil foi privilegiado pela natureza na disponibilidade de recursos hídricos superficiais, concentrando cerca de 12% da água doce do planeta. Os rios nacionais apresentam uma vazão média da ordem de 180 mil m3/segundo. Assim, cada brasileiro dispõe de aproximadamente 34 mil m3/ano “per capita” de água, mais dos que os mil m3/ano “per capita” que as Nações Unidas julgam necessários para o homem viver com conforto, satisfazendo todas as suas demandas.

Mas, da mesma forma que no mundo, a distribuição dessa água também se dá de forma extremamente irregular. Enquanto a bacia do Rio Amazonas, a mais extensa do planeta, concentra 72% dos recursos hídricos superficiais do país, a região do semi-árido nordestino enfrenta escassez de água, com períodos de seca cíclicos. Se não considerarmos a bacia do Rio São Francisco, o Nordeste, que corresponde a cerca de 12% do território brasileiro, concentra apenas 2% das águas superficiais do país.

Veja a distribuição dos recursos hídricos superficiais no país:

- Região Norte ....................... 68,5%
- Região Centro-Oeste ............ 15,7%
- Região Sul ........................... 6,5%
- Região Sudeste .................... 6,0%
- Região Nordeste ................... 3,3%

A situação de maior fartura ocorre na região com baixa ocupação demográfica, enquanto as áreas mais densamente povoadas, e com atividades industriais mais intensas, já experimentam a escassez do produto. Com efeito, um estudo da disponibilidade “per capita” mostra que o habitante da região Norte dispõe de quase doze vezes mais água do que a média nacional, enquanto o da região Centro-Oeste dispõe de um pouco mais do que o dobro. Em contrapartida, o habitante da região Sul precisa se contentar com menos da metade e os das regiões Sudeste e Nordeste com pouco mais de um décimo.

O Estado de São Paulo ficou com apenas 1,6% da água doce do país para tocar a locomotiva da nação, que responde por 35% do PIB e 22% da população nacional. O cenário se torna um pouco mais alarmante se fecharmos o foco sobre a Região Metropolitana de São Paulo, que concentra 50% do PIB e da população estadual.

Aqui, a carência de água já é uma realidade. Quase a metade dos 70 m3 por segundo de água consumida é bombeada do Rio Juqueri, levando a ameaça de colapso também para as cidades da bacia do Piracicaba-Capivari-Jundiaí. A situação, em menor grau, se repete no Vale do Paraíba e na Baixada Santista.

Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, uma pessoa necessita de, no mínimo, 80 litros diários, ou 2.400 litros mensais, de água potável para satisfazer as suas necessidades básicas – alimentação e higiene. A distribuição irregular da água no país cria distorções no perfil de consumo, com algumas regiões se aproximando perigosamente do patamar mínimo.

Os usos da água e o ciclo hidrológico

O uso mais imediato que o ser humano faz da água é na dessedentação, isto é, a ingestão de água para satisfazer as suas necessidades fisiológicas. Mas nas residências, além de matar a sede, a água é utilizada no preparo de alimentos, higienização, saneamento, limpeza e outras finalidades. Para tais necessidades, a Organização Mundial de Saúde – OMS recomenda o mínimo de 80 litros de água por dia por habitante.

Mas a oferta em volume inferior a 1.000 m3 por ano por habitante é considerada um patamar crítico pela ONU. Isto se justifica, pois além das necessidades do organismo, há o consumo representado pelos setores industrial, agropecuário e de serviços, que têm na água um insumo fundamental. É o caso da mineração, metalurgia, das indústrias de papel e celulose, química, e de alimentos e bebidas e outras, que fazem uso intensivo da água.

Há casos em que a água é incorporada nos produtos e em outros, quando o seu uso se destina à refrigeração, por exemplo, em que esse recurso não é consumido e retorna à natureza. Mas ao retornar aos corpos d’água passa a apresentar características diversas das originais, tornando-se inadequada para o consumo.

A natureza, no entanto, dotou o planeta de um grande sistema de purificação dessa água, que lançada nos corpos d’água acaba se diluindo nos oceanos. Trata-se do ciclo hidrológico, no qual a energia solar se encarrega de promover a evaporação das águas, especialmente as do oceano, condensando-as na atmosfera na forma de nuvens e precipitando-as na forma de chuvas. Ao atingir o solo, essa água alimenta as reservas hídricas representadas pelos rios, lagos, geleiras e lençóis freáticos. A grande preocupação na gestão desses recursos é a demanda pela água superar a capacidade de renovação da natureza.

Período de tempo necessário para a renovação das reservas hídricas do planeta

Local

Volume (em mil km3)

Tempo de renovação

Oceanos

1.370.000

3.100 anos

Calotas polares e geleiras

29.000

16.000 anos

Água subterrânea

4.000

300 anos

Água doce de lagos

125

1-100 anos

Água salgada de lagos

104

10-1.000 anos

Água misturada no solo

67

280 dias

Rios

1,2

12-20 dias

Vapor d´água na atmosfera

14

9 dias

Fonte: R.G. Wetzel, 1983.

Os recursos hídricos renováveis correspondem a cerca de 40.000 km3 por ano, sendo que quase dois terços desse volume retornam aos oceanos após as chuvas. O restante é absorvido pelo solo, infiltrando-se nas camadas superficiais e depositando-se nos depósitos subterrâneos, que são as principais fontes de água dos cursos de água durante as estiagens, resultando, então, cerca de 14.000 km3 de suprimento de água. Por isso devem ser concentrados grandes esforços na gestão dos recursos hídricos para retardar o retorno das águas aos oceanos, retendo-as o maior tempo possível nos continentes.

Simultaneamente, é necessário implementar políticas para impedir que a ação antrópica interfira no ciclo das águas, alterando especialmente o regime de chuvas. Ações como o desmatamento para expansão das fronteiras agrícolas e para extração de madeira, levam à compactação do solo, prejudicando a penetração da água no solo e favorecendo o escoamento superficial, diminuindo a recarga dos aqüíferos subterrâneos.

(...)

A água potável e abastecimento público

(...)

Levantamento da Organização Mundial da Saúde – OMS revela que cada dólar aplicado em serviços de saneamento resulta numa economia de cinco dólares nos sistemas de saúde do Estado. Em 400 a.C., Hipócrates já enfatizava a relação entre a qualidade da água e a saúde da população.

Para chegar às torneiras das residências, com qualidade e em quantidade suficiente, a água tem que percorrer um longo caminho, em que várias etapas devem ser cumpridas. É o que se denomina sistema público de abastecimento de água. Isto ocorre porque a água destinada ao abastecimento da população, ao uso doméstico, deve atender a rigorosas exigências previstas em lei.

Esse esforço todo é para evitar e controlar doenças e epidemias transmitidas pela água, e garantir a não interrupção desse fornecimento. Isso só é possível porque o abastecimento coletivo e público permite monitorar a quantidade e a qualidade da água desde o manancial (onde ela é retirada) até a distribuição para as residências. O que exige muitos recursos financeiros e humanos.

O sistema de abastecimento de água para fins de consumo humano é constituído de instalações e equipamentos destinados a fornecer água potável a uma comunidade. Sendo que o tratamento é a etapa mais cara e complexa de realizar. (...)

Águas subterrâneas

A água subterrânea representa outra importante fonte abastecendo mais da metade dos municípios paulistas, entre eles, Jales, Fernandópolis, Novo Horizonte, Ribeirão Preto, Araraquara e São José do Rio Preto. Por esse motivo, é fundamental que esse manancial também mereça o devido cuidado, com a realização de levantamentos de informações hidrogeológicas que permitam a exploração racional e econômica desse recurso.

Importantes cidades do país dependem integral ou parcialmente da água subterrânea para abastecimento, como, por exemplo: Ribeirão Preto (SP), Mossoró e Natal (RN), Maceió (AL), Região Metropolitana de Recife (PE) e Barreiras (BA). No Maranhão, mais de 70% das cidades são abastecidas por águas subterrâneas, percentual que chega a 80% no Piauí.

Um dos aqüíferos subterrâneos mais importantes do mundo é o Guarani, que se estende pelos Estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e pelo Paraguai, Uruguai e Argentina, numa extensão de 1,2 milhão de km2, dos quais 840 mil k2 encontram-se no Brasil, estimando-se suas reservas em cerca de 45 mil km3.

Embora estejam melhor protegidos que os rios e lagos, os mananciais subterrâneos também estão sujeitos a contaminações decorrentes de ocupações inadequadas em áreas mais vulneráveis, por fossas, infiltrações de efluentes industriais, aterros sanitários e outros, além da superexploração, que pode levar ao esgotamento, especialmente após o desenvolvimento de poderosas bombas elétricas e a diesel com capacidade de operação extremamente elevada.

(...)

Dicas para uso consciente da água

Diante da situação crítica de oferta de água no planeta, é fundamental que a sociedade se conscientize da necessidade de utilizá-la de forma racional, evitando os desperdícios. É preciso alterar hábitos de consumo, mudando o comportamento perdulário em relação a esse recurso da natureza.

Cada cidadão pode contribuir para preservar esse precioso bem. Veja algumas dicas simples que podem ser adotadas no dia-a-dia, contribuindo para a conservação e manutenção do abastecimento de água.

Na cozinha

  • Durante a lavagem da louça, a melhor forma de economizar água é limpar os restos de comida dos pratos e panelas com esponja e sabão e só então abrir a torneira para molhá-los. Depois de ensaboar tudo, abrir novamente a torneira para novo enxágüe.
  • Em um apartamento, lavar louça com a torneira meio aberta durante 15 minutos utiliza 243 litros de água. Com a economia, o consumo pode cair para 20 litros.
  • Uma lavadora de louças com capacidade para 44 utensílios e 40 talheres gasta 40 litros de água. Por isso o ideal é utilizá-la somente quando estiver totalmente cheia.

No banheiro

  • O banheiro é o local que mais consome água numa casa. Fique atento aos vazamentos e mantenha a descarga regulada.
  • A vazão média de uma torneira é de 16 litros por minuto. Por isso manter as torneiras fechadas quando escovamos os dentes, a louça ou fazemos a barba representa uma boa economia.
  • Um banho de ducha de 15 minutos, com o registro meio aberto consome 243 litros de água. Se fecharmos o registro, quando nos ensaboamos, e reduzirmos o tempo do banho para 5 minutos, o consumo de água total cai para 81 litros.
  • No caso de banho com chuveiro elétrico, também de 15 minutos e com o registro meio aberto, são gastos 144 litros de água. Com o fechamento do registro e a redução do tempo, o consumo cai para 48 litros.

Na lavanderia:

  • O mesmo vale para a máquina de lavar roupa e para o tanque. Junte bastante roupa suja antes de usá-los. Não lave uma peça por vez. A lavadora de roupas com capacidade de 5 quilos gasta 135 litros por ciclo de lavagem.

No jardim:

  • Use um regador para molhar as plantas ao invés de utilizar a mangueira. Mangueira com esguicho-revólver também ajuda a economizar. Ao molhar as plantas durante 10 minutos com mangueira, o consumo de água pode chegar a 186 litros. Com as outras opções, pode-se economizar até 96 litros por dia!

Dicas gerais:

  • Reutilizar a água numa casa é outra atitude inteligente. A água do último enxágüe da máquina de lavar pode, por exemplo, ser utilizada para a limpeza doméstica, e até para dar descarga nos banheiros. Quem vive em casa pode também coletar água de chuva para afazeres secundários, como lavar uma área ou regar as plantas.
  • Não despeje o óleo de frituras na pia. Esta gordura, além de contribuir para o entupimento dos canos, dificulta o tratamento do esgoto. Separe este material e destine para locais que fabricam sabão.
  • Pratique coleta seletiva. A reciclagem é uma maneira eficiente de contribuir na economia da água. Os produtos reciclados consomem menos água do que os produtos produzidos a partir de matéria-prima virgem.
  • Se você detectar um vazamento de água na rua ou calçada, ligue para a empresa de saneamento de sua cidade e comunique da situação.
  • Informe-se sobre a origem e o destino de tudo que você consome. Consumir produtos feitos com métodos ecológicos ajuda a diminuir os desperdícios na cadeia produtiva e os impactos no meio ambiente.
  • Atenção aos desperdícios e descuidos no uso da água. Eles tornam o gasto muito maior do que o necessário, ainda mais em condomínios, onde o consumo é maior devido à pressão da água.
  • Não deixe a torneira aberta enquanto escova os dentes ou faz a barba.
  • Tome banho rápido e ensaboe o corpo com o chuveiro desligado.
  • Não deixe as torneiras pingando e elimine os vazamentos.
  • Feche a torneira enquanto ensaboa pratos e talheres.
  • Não utilize mangueiras para lavar carros ou calçadas. Use vassoura e balde.
  • Reutilize a água da máquina ou do tanque, que já contém detergentes, para a lavagem de quintais, calçadas e áreas de serviço.
  • Só regue o jardim nas horas de temperatura mais amena para evitar a perda por evaporação.

Fonte: http://www.ambiente.sp.gov.br/mutiraoazul/2agua_no_mundo.asp

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sábado, 15 de março de 2008

Este mundo da injustiça globalizada

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Escuto o meu rio: é uma cobra de água andando.
Por dentro do meu olho.


-- MANOEL DE BARROS --


Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.
Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar. Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta."
"Que acontecera?" Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem resultado, a expoliação continuou. Então,
desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça. Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo... Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.
Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia. Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações. Tenho dito que para essa justiça
dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aquelas trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença. E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos. Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto. De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.
E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos. Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo. Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica. E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal
elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários políticos" do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes...
Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo.
Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor.

José Saramago

Texto lido na cerimônia de encerramento do Fórum Social Mundial 2002

18/03/2002

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sexta-feira, 14 de março de 2008

Mulher, flor e cor

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Mulher,
Perfume, essência, viscosidade,
Aroma de noites e dias,
Lençóis, em sóis e luas.

Fêmina,
Agarra qual fêmea no cio,
Arrebata corpos e corações,
Indo mais pralém, enfeitiça.

Flor,
Desabrocha em mil cores, gineceu,
E nos seus odores, penetra,
Fundo, alma, paz.

Anjos,
Repentinos, vezes igual mães,
Suaves brisas nos ensinam,
Acariciam, embalam sonos, protetores.

Lutadora,
Guerreira poética, busca abrigo, desejo,
Atravessa o âmago masculino
Lâmina sutil do destino.

Beleza,
Desmedida, rocha dura, fecunda,
Como fortaleza que nos abriga,
Desmanchando-nos em mil pedaços, lânguidos.

Elas,
Sentinelas de vida, esperança,
Vezes nos tornam arrogantes,
Pretensamente machos, que se acham suficientes.

Gaia,
Força que nos torna telúricos,
Nas antes permitem vôos, céus,
Divindades permanentes de nossas fragilidades.

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Refletindo sobre o dia das mulheres, em conflito busco no emaranhado da força feminina tentar sair dessa visão hipocritamente machista "ruim com elas, pior sem elas", e que me perdoem.

Luiz Afonso Figueiredo
Abrigo Chuí, Santo André (SP), 09 março 2008.

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quinta-feira, 13 de março de 2008

Racismo no carnaval - e depois?

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O martírio das criaturas:

- O homicídio nas vielas mais escuras,

- O ferido que a hostil gleba atra escarva,

- O último solilóquio dos suicidas —

E eu sinto a dor de todas essas vidas


-- Augusto dos Anjos --


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21 de março é o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, instituído a partir de uma tragédia: o massacre de Shapeville, na África do Sul, em 1960. Na África do Sul, marca também o Dia Nacional dos Direitos Humanos, criado por Nelson Mandela, em 1996. Na mesma data, em 1997, o Brasil incluiu Zumbi dos Palmares na galeria de nossos heróis nacionais.

Desde então, o racismo não acabou, o ódio e a intolerância ainda massacram muita gente, muitos povos. Mas talvez se possa dizer que caminhamos muito, tanto lá quanto cá. Aqui, agora, o que interessa saber é: quanto mais temos ainda que caminhar?

Dias antes do carnaval no Rio de Janeiro, houve polêmica entre a escola de samba Unidos do Viradouro e a Federação Israelita do estado. A questão: seria ou não possível desfilar um carro alegórico retratando o Holocausto na II Guerra da Europa (ou mundial, como dizem). O carro traria, segundo imagens e informações veiculadas, a escultura de uma pilha de corpos mortos, esquálidos, nus, da mesma maneira que já vimos em imagens dos campos de concentração. Um detalhe provocou maior debate: sobre estes corpos viria a figura de um folião fantasiado de Hitler. Pelo que li e ouvi, isso foi o que mais desagradou parte da comunidade judaica, em nome de quem o presidente da Federação falava. Um Hitler vivo, sambando sobre os corpos.

Qualquer um pode imaginar a cena, que o Judiciário, por solicitação da Federação Israelita, impediu de vir a público. Qualquer um compreende o que simbolizava: uma parte cruel da história da humanidade. Já vimos suas
imagens. Há museus, filmes, exposições, narrativas diversas à disposição. Não houve controvérsia, ao menos de forma explícita, sobre a dramaticidade do que simbolizava. Ponto para nós!

Diga-se que a decisão de recorrer à Justiça foi precedida, segundo veiculado nos jornais e nas TVs, por um processo de negociação que incluiu diálogo direto entre o carnavalesco e a presidência da escola de samba com a Federação; o envio de carta do presidente da Federação à escola; a veiculação midiática do pedido de suspensão da alegoria e, ao final, o recurso à Justiça.

Tomada a decisão, proibida a alegoria, o carnavalesco veio a público em prantos, reconhecendo a derrota. Cenas dramáticas de destruição do carro alegórico – esculturas de corpos mortos nus e esquálidos sendo arrancadas com violência da estrutura de ferro – chocaram quase tanto quanto seu desfile carnavalesco talvez o fizesse.

Censura e liberdade de expressão

A seqüência trouxe uma denúncia de censura, com o carnavalesco triste e inconformado, declarando sua indignação e idéia de outro carro alegórico que representaria a liberdade de expressão e o repúdio à censura. Muitos comentários de especialistas e não-especialistas, muitas cartas de leitores(as), muitos protestos de ambos os lados. E, de certa forma, muita razão.

Não vou comentar os ataques explicitamente racistas (minoritários), surfando exuberantes em vários protestos, pois este é o pano de fundo: num país racista, ninguém está protegido; judeus e judias, apesar da pele clara, não
estão protegidos(as). E certamente muitos(as) poderão vir a público contar os ataques que ainda sofrem nestes anos pós-Holocausto.

O racismo é a realização da crueldade e da violência profundas. Dias antes da polêmica carnavalesca, um jovem branco de 17 anos invadiu uma comunidade negra na África do Sul e, atirando a esmo com um rifle, matou quatro pessoas, entre elas um bebê. Lá, outro escândalo racista recente, de crueldade e sevícia de estudantes universitários brancos contra quatro serventes negras de uma universidade, provoca mobilização nacional. Nos
Estados Unidos, o acirramento da disputa eleitoral utiliza o medo como ferramenta de ataque ao candidato negro Barack Obama. Racismo não acaba por decreto. Ele requer revisão da história, debates, reflexões, punições,
aproximações, democracia, justiça, eqüidade e muito mais, a cada dia.

Não vou comentar todo o amplo espectro que se abre ao debate da liberdade de expressão trazido pela polêmica do carnaval 2008. A liberdade é uma conquista que galgamos a cada dia. Mas é preciso reconhecer que num país racista, sexista, classista, lesbofóbico e homofóbico, desigual ao extremo, ela não acontece só porque a classe média branca heterossexista controla os meios de produção. Reconheçamos que, até o momento, ela não se realizou entre nós. Mas lutamos por ela, especialmente nós, que integramos os grupos
subjugados.

Quanto ao debate carnavalesco, considero verdadeira a afirmação de que houve censura (fundamentada em decisão judicial, amparada na lei, portanto). E mais, esta censura respondeu a uma demanda legítima de um grupo que se considerava atingido. Considero também justas e aceitáveis as contraposições que afirmavam que o gesto de trazer as dores de um povo ao carnaval não significa, necessariamente, um desrespeito – e muitos citaram o povo negro e seu Holocausto, a escravidão transatlântica. Considero também que o carnavalesco da escola de samba Unidos do Viradouro não apresentou qualquer elemento que nos permitisse afirmar, ao criar o carro, que estava mal-intencionado ou movido por anti-semitismo. Ao contrário.

Mas, de volta aos significados do Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, considero urgente a reflexão de um aspecto: a censura à voz de judeus e judias que se sentiram violentados(as). Devemos
entender o que está em jogo, quando os debates quase tornaram irrelevante a voz dos(as) que se pronunciaram primeiro; quase esqueceram da dor que diferentes mulheres e homens, de diferentes idades, neste início do século
21, sentiam diante da possibilidade alegórica do Holocausto carnavalesco.

Acredito ter sido em nome do presente, da necessidade de reflexão urgente, que a Federação Israelita se pronunciou. Da atualidade de parte da comunidade judaica do Rio de Janeiro (e não só dela). E, principalmente, em nome da caminhada que nos devemos em direção ao futuro. Um futuro capaz de fazer com que censura queira somente dizer limite para uma sociedade que acredita que vale tudo. Limite descrito como sinônimo de ética. De respeito. De abertura para o outro.

A dor narrada por minha colega de trabalho em Criola (que é judia) não trazia imagens do passado. Ela não esteve lá. Falava de sentimentos de agora. De uma lição que precisamos aprender em nome de algo além do consumo desenfreado, midiático e hedonista da dor dos outros, como descreveu, em ótimo livro, Susan Sontag.

E isto vale para o Brasil, para a África do Sul, para os Estados Unidos, para o mundo. É sempre bom nos perguntarmos se foi ou não o racismo que fez com que vozes como a de minha colega de trabalho, do presidente da Federação Israelita e de muitos(as) outros(as) judeus e judias tenham sido desprezadas por uma parte significativa das pessoas de boa intenção. Assim, talvez, possamos (ou devamos) compreender e expandir os significados do 21 de março por todos os dias.


Jurema Werneck
Coordenadora de Criola

Publicado em 7/3/2008.


fonte: IBASE
http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=2240

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A lógica do maior, não a do melhor.

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Qual a estação mais propícia à poesia? Para o poeta, para o verdadeiro poeta, não há outra estação senão a da poesia. E dentro da poesia a primavera, o verão, o outono, o inverno. A poesia vive muito para lá da palavra, independente das costuras da linguagem.
-- Martin Heidegger --



Quem venha acompanhando o noticiário sobre vários setores de serviços à população no País provavelmente estará surpreso com certas decisões que vêm sendo - ou deixam de ser - tomadas e que apontam para o que poderia ser chamado de "opção pelo maior", ou pelo mais caro, em detrimento do mais eficiente, mais barato.


Pode-se começar pela questão do abastecimento de água nas capitais, que mereceu farto noticiário, diante da constatação de que se desperdiçam, em média, 45% da água que sai das estações de tratamento. São Paulo perde 30,8%, Porto Velho, a campeã do desperdício, 78,8%, Brasília, a que menos perde, 27,3% - quando o Japão, por exemplo, perde 4,7%.

A principal causa está nos vazamentos e furos nas redes de distribuição, por falta de monitoramento, assistência e reposição. E quem for verificar mais de perto constatará que isso não é feito porque se dá preferência a novas barragens, novas adutoras, novas estações de tratamento - mesmo sabendo que custa até cinco vezes menos conservar um litro de água (mantendo a rede em boas condições) do que gerar um litro "novo".

Mas não há financiamentos para a manutenção, só para obras novas - de custo muito mais alto (e maior retorno para os financiadores), porém mais visíveis que as do subsolo (de menor rendimento eleitoral). E com isso se perdem, só nas capitais, 6,14 milhões de litros por dia, suficientes para atender ao consumo diário de algumas dezenas milhões de pessoas.

O panorama não é diferente na área de esgotos: mais de 50% da população nem sequer dispõe de redes coletoras e entre 1992 e 2005 o déficit só caiu 0,4% ao ano. Com isso, segundo a Funasa, morrem por dia sete crianças vítimas de doenças veiculadas pela água de má qualidade, que causam também 70% das internações na área pediátrica. Mas só se prevê reduzir o déficit à metade em 2020 e desde que aplicados R$ 10 bilhões por ano.

E poderia ser diferente. Neste espaço mesmo já se comentou (31/8) que a instalação de redes de esgoto pelo sistema condominial pode proporcionar uma economia média de 35% nos investimentos, que pode chegar até a 50%, dependendo do lugar e das condições. Mas, com exceção do Distrito Federal, esse sistema não é o usual na maioria dos lugares. Por quê? Uma das razões é que se trata de obras de menor porte, menor visibilidade, menor custo, menor interesse das grandes construtoras.

Ainda na área do abastecimento, vale a pena mencionar a questão das cisternas de placa para reter e aproveitar água de chuva no Semi-Árido brasileiro. Todo mundo já sabe que elas são uma solução muito mais barata e viável (podem ser construídas em comunidades isoladas, onde vivem milhões de pessoas, inacessíveis pelos ramais de transposição de águas). Mas até aqui só puderam ser implantadas 216 mil, beneficiando 1 milhão de pessoas, quando é necessário 1 milhão de cisternas. E agora o governo federal, o maior financiador (85%), anuncia que vai "diversificar" os caminhos da implantação, até aqui entregue a um consórcio de ONGs, a Articulação do Semi-Árido. Não por acaso, passará a colocar parte dos recursos nas prefeituras - em ano de eleição.

Nessa área, a Justiça acaba de obrigar o Ministério da Integração Nacional (Veja, 21/11) a abrir todas as propostas para obras da transposição do Rio São Francisco, porque inabilitara duas sem abrir. Ao serem abertas, verificou-se que uma das inabilitadas era R$ 36 milhões mais barata que a proposta considerada vencedora, de R$ 275 milhões.

E para onde irá a água? Cerca de 70%, para irrigação de grandes projetos, inclusive em perímetros irrigados (R$ 491 milhões até 2010) - quando o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca admite que 50% dos perímetros irrigados por ele mesmo estão "sem produção alguma" (Folha de S.Paulo, 18/11). Também os projetos da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) prevêem investimentos de R$ 740 milhões em projetos de irrigação até 2010.

Quando se passa à área da energia, mais alguns sustos e surpresas. Continua-se sem discutir o estudo da Unicamp que mostra ser possível economizar até 50% da energia consumida no País, tema tantas vezes comentado neste espaço. Mas se decide instalar, a um custo muitas vezes maior, unidades de geração caras, poluidoras e perigosas, quando também o relatório das Academias de Ciências, aqui citado pelo professor José Goldemberg (12/11), afirma que o formato mais barato para o Brasil é o da eficiência energética.

Mas vamos implantar Angra-3, contestada na Justiça pelo Greenpeace, com base em parecer do jurista José Afonso da Silva, que mostra ser inconstitucional a sua aprovação, por se basear em decreto do governo Geisel já revogado e por lhe faltar a indispensável autorização do Congresso Nacional - além de ser sua produção mais cara; sua operação, insegura; e não haver destinação para o lixo nuclear.

Também o Plano Decenal de Expansão do setor elétrico prevê o aumento da geração em termoelétricas, de 15 mil para 28 mil MW. Dos 13 mil MW novos, apenas 3 mil virão de biomassas; as usinas restantes serão movidas pela queima de combustíveis fósseis, aumentando as emissões de poluentes de 19 milhões de toneladas para 44 milhões em dez anos. Entre elas está uma nova termoelétrica a carvão mineral (o formato mais poluente entre todos) em Treviso (SC), nas encostas de Aparados da Serra (fala-se até em mais duas usinas). Isso apesar da experiência em outros pontos do Estado, com forte poluição gerada na queima do carvão e pela chuva ácida.

E assim vamos também no Rio Madeira, (R$ 20 bilhões), no Rio Xingu, no Rio Tocantins, seguindo pela lógica do maior, não do melhor. Pois não continuamos em toda a parte a pagar por tonelada o lixo recolhido - o que leva as empresas a terem interesse em que o lixo aumente, e não que diminua?

Washington Novaes
O Estado de S.Paulo, 30-11-2007

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quarta-feira, 12 de março de 2008

Luzes e sombras

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Ao ecologista “Mão” , Luiz Carlos Farias

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Numa tarde quente de Cuiabá
Num céu enfumaçado pela queimada
Ainda assim, o sol brilhava
Circular, mágico e anunciava

A luta de sangue do ecologista “Mão”
Covardemente assassinado por interesses
Dos que querem a riqueza da minoria
Com ouro que pouco reluz à maioria

Reflete e salga as almas em sombras
Como fósforos queimados à procura de luz
E a luta ecologista denuncia e anuncia
Ainda que por pedras, chamas ou poesia

-- Michèle Sato --


Bernard Dumaine & Rodney Gee: “todos têm luzes”
(exquisite corpse - everyone got a light)
Publicado na Revista Sina, ano I, n.9, 2007, p.17.


domingo, 2 de março de 2008

ProFEA

O cortejo passou junto e se uniu à atmosfera do horizonte, por um lugar onde a superfície abobadada do planeta ocultava a curiosidade do olhar humano. Por alguns instantes, obstinei-me a compreender este mistério, mas rapidamente um irresistível sentimento de indiferença se apoderou de mim. E fui envolvido com minhas quimeras distantes...

-- Charles Baudelaire --
(tradução: mimi)
*.;.


O "ProFEA - Programa Nacional de Fromação de Educadoras(es) Ambientais: por um Brasil educado e educando ambientalmente para a sustentabilidade" pretende qualificar as políticas públicas federais de educação ambiental para que exijam menos intervenções diretas e ofereçam mais apoio supletivo às reflexões e ações autogeridas regionalmente, no sentido de desenvolver uma dinâmica nacional contínua e sustentável de processos de formação de educadoras(es) ambientais a partir de diferentes contextos. Esta dinâmica, articulada, autônoma e interdependente tem como orientação, ou por utopia, a formação de 180 milhões de brasileiros(as) educados(as) e educando ambientalmente e tem na formação de Coletivos Educadores uma das suas estratégias essenciais de implementação.
(texto completo em: http://www.mma.gov.br/estruturas/educamb/_arquivos/dt_08.pdf)

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sábado, 1 de março de 2008

Mas o que é Izunome?


O termo Izunome foi extraído do nome de um dos deuses do panteão xintoísta, Izunome no Ookami, que representa simultaneamente a atuação do Fogo e da Água.

Observando-se a realidade, verificamos que estão sempre presentes dois princípios ou situações antagônicas: vertical-horizontal, quente-frio, doce-salgado, norte-sul, oriente-ocidente, conservador-progressista, espírito-matéria, etc. Do ponto de vista da ação humana, é comum cada pessoa tender para um dos dois lados. Isto pode ser melhor compreendido se nos valermos de dois conceitos de origem budista chamados Daijo e Shojo.

Daijo ilustra o aspecto horizontal da vida e Shojo, o vertical. A atividade de Daijo é semelhante à da água, que se estende perpetuamente em nível horizontal; a de Shojo é semelhante à do fogo, que, restrito, queima em profundidade e dirige suas chamas sempre para o alto.

O princípio de Shojo é estrito e intransigente. A vida das pessoas com temperamento Shojo é regida por padrões freqüentemente rígidos e restritos. O indivíduo Shojo tende a ser mais crítico do que os outros e a classificar as coisas como "boas" ou "más".

Os indivíduos de temperamento Daijo são geralmente liberais e estão sempre dispostos a mudar. Por outro lado, podem tender a um liberalismo excessivo, faltando-lhes uma orientação espiritualmente profunda.

Izunome simboliza a cruz equilibrada, indicando a perfeita harmonia entre os princípios horizontal e vertical.

(...)

Devemos ser flexíveis e agir de acordo com as situações, ora aderindo ao princípio de Shojo, ora aplicando o método Daijo, mas sempre voltando ao ponto central, Izunome. Daijo é abrangente incluindo tudo, inclui também Shojo. De modo geral, é bom agir conforme as circunstâncias, mas nunca esquecendo o princípio sobre o qual baseamos a nossa ação. Mesmo tendo Shojo como princípio orientador, convém agir à maneira Daijo.

Não obstante, seria perigoso empregarmos somente Daijo. (...) Shojo estabelece o princípio vertical, no qual tudo deve ser baseado, antes de adotar o princípio Daijo, de expansão horizontal. Assim, pode-se atingir o perfeito equilíbrio entre ambos, ou seja a cruz equilibrada Izunome.

MOKITI OKADA


Edna Costa. Tecnologia do Blogger.